Mesmo que a guerra entre Rússia e Ucrânia acabasse hoje, os efeitos do conflito que dura dez meses ainda perdurariam sobre o mercado global de petróleo por mais alguns anos. E a volatilidade dos preços em 2022 deve prosseguir no ano que vem, avaliam especialistas ouvidos pelo Valor. O barril fechou o ano cotado a US$ 85,65, não muito acima dos US$ 78,57 registrados no fechamento do primeiro dia do ano. O preço médio do barril em 2022 foi de US$ 97,20, alta de 38,05% ante os US$ 70,41 em 2021, segundo o Valor Data.

O corte, por parte dos russos, do fornecimento de derivados à Europa, em resposta às anunciadas sanções que entram em vigor em fevereiro, apertou e redesenhou o mercado no mundo e trouxe à tona o tema da segurança energética, equiparando-se em importância ao da agenda ESG.

Uma possível recessão na Europa e nos Estados Unidos e a incerteza sobre a política de combate à covid-19 na China também refletiram na variação do Brent. No Brasil, a consequência foram aumentos nos preços dos combustíveis, atrelados ao mercado internacional. A partir de março, o Brent ultrapassou a barreira dos US$ 100 mantendo-se nessa faixa até fim de agosto, quando começou a recuar para uma faixa entre US$ 80 e US$ 90. O gás natural chegou a alcançar US$ 70 por milhão de BTU (MMBTU) – unidade de medida padrão do produto, mas os preços recuaram para níveis pré-pandemia, segundo a Refinitiv.

Antes da guerra, a cotação do Brent seguia tendência de alta, com a recuperação da econômica global pós-pandemia. Porém, o conflito impulsionou os valores e alterou os fluxos de comércio de petróleo e derivados. Países se viram forçados a diversificar as fontes de energia, inclusive com o retorno da geração nuclear e do carvão mineral, que vinham sendo deixadas de lado nos últimos anos. “[O ano de] 2022 foi o que se mais consumiu carvão no mundo para geração de energia, especialmente por causa da Europa, apesar de todos os esforços da bandeira ESG”, destacou o consultor Eduardo Antonello, ex-presidente da Golar Power. Ele lembra que os Estados Unidos liberaram mais de 600 milhões de barris de petróleo dos estoques numa tentativa de conter a escalada dos preços.

Em boa parte do ano, a demanda mundial de combustíveis esteve aquecida, porém cedeu nos últimos meses de 2022. De acordo com relatório recente da consultoria HedgePoint, há indícios de que a escassez inicial está começando a enfraquecer, com aumento gradual dos estoques. Porém, deve-se atentar ao fato de que os estoques de diesel ainda não estão num patamar saudável em níveis globais, aponta a consultoria. “Mesmo assim há uma melhoria acontecendo, enquanto a sensação de falta de oferta, por parte dos traders, começa a diminuir”, disse a Hedgepoint.

A Wood Mackenzie também vê a demanda por diesel pressionada em 2023, já que a Rússia é o principal fornecedor do combustível para a Europa, que assim como o Brasil, tem alta demanda do produto. Por outro lado, a consultoria destacou que a demanda por gás natural na Europa reduziu 10% em 2022 e deve fechar o inverno com 38% de armazenamento, possibilitando atingir a meta de estoques de 90% até novembro. Marcelo de Assis, diretor de pesquisa em upstream (exploração e produção) da Wood Mackenzie, disse que o inverno não está tão rigoroso como previsto, com menos demanda por aquecimento, o que afasta perspectiva de aumento na demanda entre janeiro e fevereiro. “Não prevemos consumo fora da média”, disse Assis.

Na visão de Marcus D’Elia, sócio da Leggio Consultoria, uma saída imediata frente a um cenário apertado é a busca de cadeias alternativas de suprimento, como a Índia e o Oriente Médio. Para ele, o ideal é que essa soluçãoseja adotada antecipadamente, para testar qual modelo de contratação funciona bem. “Isso, quem deve fazer, são as empresas, não é uma ação de governo”, disse D’Elia.

Para Décio Oddone, presidente da Enauta e ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a volatilidade deve perdurar por mais um bom tempo, por causa das incertezas tanto pelo lado da oferta, com a redução do suprimento pela Rússia, quanto pelo lado da demanda, por causa dos efeitos de uma recessão econômica que pode puxar o consumo de energia nas grandes economias para baixo.

O executivo avalia que os preços do Brent devem se manter na faixa dos US$ 80 em 2023. D’Elia, da Leggio, ressaltou que projeções internacionais vêm apontando cotações neste patamar no próximo ano, entre US$ 80 e US$ 100. Luiz Carvalho, analista sênior de óleo e gás do UBS BB, projeta US$ 95 o barril. Assis, da Wood Mackenzie, estima uma média de US$ 90, considerando o atual estágio da guerra, sem grandes evoluções.

No Brasil, os preços dos combustíveis saltaram na primeira metade de 2022, especialmente óleo diesel e de GLP, produtos cuja importação atende a cerca de um quarto das respectivas demandas. Uma combinação entre trocas de presidentes da Petrobras promovida pelo presidente Jair Bolsonaro, redução de impostos sobre combustíveis e queda nas cotações internacionais a partir de julho levou ao recuo dos preços internos dos derivados. Parte dessa queda deve ser revertida, porém, em 2023, com o fim da desoneração do PIS/Cofins sobre os combustíveis, caso o governo opte por não prorrogar corte de impostos federais.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem sinalizado amplamente a intenção de mexer na política de preços dos combustíveis. Atualmente, a Petrobras, principal refinadora do país, adota o Preço de Paridade de Importação (PPI), que também considera no cálculo parâmetros como o câmbio. O futuro presidente da companhia, Jean-Paul Prates, tem afirmado que a política de preços de combustíveis é assunto de governo, e não apenas de uma empresa de mercado.

Segundo Oddone, é inexorável associar os preços dos combustíveis no país ao mercado externo, sob risco de desabastecimento, em caso de se manter os preços acima da paridade. E há risco de desestímulo a investimentos na produção de derivados se os preços internos ficarem abaixo do PPI.

Assis, da Wood Mackenzie, lembrou que os preços dos combustíveis também dependem de pontos como a condução das políticas fiscal e econômica, que impactam na cotação do dólar (variável do PPI). Outra incerteza é a implementação da ideia de nacionalizar os preços dos refinados, deixando o PPI de lado. “São vários fatores que não estão associados apenas ao mercado externo”, conclui Assis.

 

Fonte: Jornal – Valor Econômico

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2023/01/02/incertezas-devem-manter-precos-do-petroleo-sob-volatilidade-em-2023/